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Edição 89 - Outubro// de 2019

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Crônica

De dor à Alice

Por Cecília Salgueiro Alvo*

Doralice entrou acompanhada, com um dos braços entrelaçado a um senhor de aproximadamente setenta anos. Era ela uma senhora de cinquenta e três, cabelos castanhos despenteados, à altura dos ombros. Logo se sentou e contou do seu sofrido glaucoma.

Ela carregava o glaucoma, e o glaucoma a carregava também. Ambos melancólicos se acomodaram à minha frente para conversarmos por alguns instantes. Ainda que quisesse arremessá-la ao longe, a doença estava tatuada no corpo às juras da eternidade. Doralice não chorou, tampouco pediu clemência em alguma fala durante nosso diálogo. Entretanto, detectei certo desencorajar pela vida.

– Sabe qual é um dos meus maiores medos?

Olhei-a nos olhos para ouvir a resposta. Em milissegundos de pensamentos, perguntei-me qual seria minha imagem formada por trás daqueles globos oculares redondos e deteriorados. Seria de qual cor e forma? A mulher guiava- se, pois, pela minha voz, que possivelmente delinearia o desenho de minha aparência à imaginação dela.

– Um dos meus maiores medos é perder o pouco de visão que tenho.

Não tinha resposta para tal desafogo, e também seria mentiroso e injusto acalmá-la. De fato, entendia o pavor de estar à beira daquele abismo da visão, nos últimos instantes da capacidade de distinguir o céu do mar. Mudei de assunto, então, e comentei:

– Doralice é nome de poeta, como a música de João Gilberto. Conhece?

Nem do seu nome gostava. Só passou a enxergar certa beleza depois que teve aula com uma professora muito competente e admirada, cujo nome era Doralice.

Os batimentos cardíacos acelerados, os olhos glaucomatosos e os fios de cabelos por pintar confessaram-me que a mulher sofria mais de tristeza do que aqueles que a tinham como queixa principal.

Dor Alice já sorriu ao fim de nossas palavras, e saiu da sala mais Alice, com a curiosidade pela procura da música de seu nome. Já era motivo de sentir-se mais importante.


– Ainda é tempo ser feliz, Doralice.


A claridade pode confundir mais do que a escuridão desse olhar. Não seja Dor, seja Alice. Seja poeta, assim como é, para contemplar as entrelinhas que ninguém de olhos intactos vê.

Nessa estreia de meu ensaio médico, li, então, uma miríade de histórias em compactos e sofridos quinze minutos de consulta.


Doralice poeta, Vicente que entra à porta para me doar dicionários antigos de Medicina, Maria que traz um pote de doces feitos por ela própria e espera-me ali sentada ansiosa para a entrega do presente.

 

– Já comecei o regime, doutora. Esse aqui é para você.

E, por fim, uma criaturinha de setenta e cinco anos acompanhada de sua irmã. Magricela, com a nitidez da proeminência zigomática, braços finos e um sorriso amarelado entreaberto. A irmã navegava sobre as ondas daquele maremoto e punha a doente a se repousar no melhor lugar do navio, para que apreciasse a paisagem e o oceano, nem belos nem deploráveis, no fio da meada.

Como haveriam de ser apenas quinze minutos?


Recolho alguns desses olhos provocantes e levo-os pelo caminho.


A pobreza de um vilarejo e a ignorância do mínimo autocuidado se chocam com as gotas de tempo que possuo para preencher o copo de uma vida.

Sou paciente e sei da angústia de ter a saúde à mercê de mãos alheias. Sei da decepção de ter uma dor física não resolvida. Vejo- me refletida nos olhos de Doralice, nos braços finos da senhora magricela e na dor articular de meu querido saudoso Vicente. Vejo-me em tantos.


De fato, a medicina é feita de humanos cuidando de humanos. Esse é o limitante e o mais belo também.

* Médica formada pela Faculdade de Medicina do ABC

Ilustração: Andrea Ebert


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