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CAPA

EDITORIAL (SM pág. 1)
Ponto de partida - Os conselheiros eleitos em 07/08/08 assumiram a árdua tarefa de trabalhar pela dignidade do exercício da Medicina e pelo bom conceito da profissão - Henrique Carlos Gonçalves


ENTREVISTA (SM pág. 4)
Entrevista - Jair Mari conversa com Avshalom Caspi e revela, especialmente para nossos leitores, fatos inusitados de suas pesquisas


ESPECIAL (SM pág. 9)
Angola - O enorme desafio dos médicos brasileiros na reconstrução da saúde em um país destruído pela guerra


CRÔNICA (SM pág. 16)
Pasquale Cipro Neto: reabsorvendo as mudanças na ortografia brasileira...


SINTONIA (SM pág. 18)
Questão de Justiça: Cremesp foi o primeiro Conselho de Medicina do país a reconhecer a imprescritibilidade da prática ou acobertamento dos crimes de tortura


DEBATE (SM pág. 22)
Declaração de Helsinki: debate avaliou tópicos polêmicos da proposta, apresentada em encontro no Brasil


HISTÓRIA (SM pág. 28)
SUS 20 anos: deficiências reconhecidas à parte, houve o resgate do direito dos cidadãos ao atendimento básico de saúde


CULTURA (SM pág. 32)
João Carlos Martins: a paixão pela música muito além de seu drama, que o impede de tocar mas não de reger magnificamente


GOURMET (SM pág. 36)
Confira (e prepare!) a receita de um prato tradicional da cultura espanhola: a paella


AMBIENTE (pág. 39)
Apaixonado pela natureza, médico publica livro e doa 240 mudas de árvores frutíferas à escola agrícola de Rio Claro


TURISMO (SM pág.42)
Se você gosta de praia, não perca. Se não gosta, pode vir conhecer sem receio...


POESIA (SM pág. 48)
A poesia desta edição é de autoria de Pedro Nava, médico, escritor e poeta


GALERIA DE FOTOS


Edição 45 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2008

DEBATE (SM pág. 22)

Declaração de Helsinki: debate avaliou tópicos polêmicos da proposta, apresentada em encontro no Brasil

Revisão da Declaração de Helsinki

José Luiz Gomes do Amaral, Reinaldo Ayer e Dirceu Greco debatem os tópicos polêmicos da proposta

Pela primeira vez na história, o Brasil sediou uma das cinco reuniões mundiais que aconteceram este ano para discutir a revisão da Declaração de Helsinki, documento que fundamenta a regulação ética de pesquisas médicas com seres humanos. Concebida originalmente em 1964, pela Associação Médica Mundial (WMA, sigla em inglês de World Medical Association), a declaração já havia recebido adendos posteriores, mas é a primeira vez que se discute a reforma de seus artigos. O encontro do Brasil, promovido pela Associação Médica Brasileira (AMB), em São Paulo, de 19 a 21 de agosto, reuniu a comunidade médica envolvida em pesquisa em debates acalorados e polêmicos.

A seguir, a revista Ser Médico apresenta um debate – mediado pelo conselheiro do Cremesp Reinaldo Ayer de Oliveira – com dois médicos brasileiros, ativos partícipes desse processo: José Luiz Gomes do Amaral, anestesiologista e presidente da AMB; e Dirceu Greco, infectologista, professor titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Nos dias 15 e 16 de outubro, após a realização deste debate, Amaral e Greco participaram da Assembléia Geral da WMA, em Seul, Coréia do Sul, que referendou o novo texto da declaração de Helsinki. (veja os resultados da Assembléia no box à página 27 desta edição).


Reinaldo Ayer: Como se concretiza a participação da AMB na Assembléia Geral que discute a revisão da Declaração de Helsinki?

José Luiz Gomes do Amaral: A assembléia da WMA é formada por representantes dos 176 países membros, sendo o Brasil um deles. A AMB se faz representar em diferentes colegiados: na Assembléia Geral, no conselho mundial e seus comitês, entre eles o de ética e o comitê médico associativo. A responsabilidade de realizar a revisão da Declaração de Helsinki foi atribuída ao Comitê de Ética. Formou-se um grupo de trabalho, e a AMB inclui-se nessa equipe, oferecendo ainda o Brasil para sediar uma das cinco reuniões de revisão que ocorrem este ano em alguns países.

Ayer: Quando surgiu a proposta de revisão? Ela partiu de um país, um grupo?

Amaral: As propostas são sempre apresentadas ou referendadas por um país ou grupo social. A de revisão da declaração foi levada ao Comitê de Ética, que a entendeu procedente e, portanto, a levou para discussão no Conselho, que a encaminhou à Assembléia Geral, esta tomou a decisão de abrir o processo. Habitualmente, a cada dez anos, todas as declarações e resoluções da WMA são submetidas à apreciação dos países membros. O Conselho toma decisões a partir das opiniões recebidas. É, portanto, uma resolução do Conselho revisá-las, rescindi-las, arquivá-las ou aceitá-las como estão.

Ayer: Qual é a sua participação nessa proposta de revisão?

Dirceu Greco: Por meio de um mecanismo bem democrático, é possível que cada médico participe, por ele mesmo, e com voz, da Assembléia Geral. Há a categoria de membro associado que, mediante o pagamento de uma taxa simbólica, dá direito a participar da Assembléia Geral, além de receber as revistas e um seguro de vida. O membro associado não participa das comissões, a não ser quando convidado pela associação médica de seu país. Mas quando se toma uma decisão, como a de revisão da Declaração de Helsinki, ele pode participar da Assembléia Geral.

Ayer: Como foi encaminhado esse processo até o momento? Há propostas de revisão de todos os itens do texto?

Amaral: Após o primeiro passo, quando se decidiu que a declaração merecia ser revista, começou a segunda fase. Nela discute-se, em todo o mundo, quais os principais tópicos a serem revistos e se a declaração deve ser discutida no todo ou em partes. Esta foi uma decisão importante e as mudanças substanciais estão previstas em apenas três tópicos. Evidentemente, quando se trabalha três questões em um documento amplo, cada modificação tem reflexos em outros parágrafos. Então, para manter a coerência da declaração, todos os parágrafos deverão ser analisados.

Ayer: Quais são os três tópicos fundamentais?

Greco: Dois desses tópicos estão há dez anos na berlinda da discussão internacional: o uso de placebo, quando já existe tratamento efetivo, e o acesso futuro dos sujeitos de pesquisas aos cuidados e medicamentos testados. A diferença é que a proposta de mudança, desta vez, partiu do âmago da WMA. Em 1999, a Associação Médica Americana propôs que o uso do placebo fosse menos rígido e que o acesso aos cuidados de saúde estivesse vinculado ao local de desenvolvimento do projeto. Isso trouxe polêmica, mas em 2000 a Assembléia Geral decidiu pela manutenção da restrição ao uso do placebo; e acrescentou uma novidade: o direito de o voluntário ter acesso aos cuidados de saúde, após o término do estudo.  Já o terceiro tópico é novo, refere-se à participação de crianças em projetos de pesquisa – item que não era polêmico na época e provavelmente não será desta vez. Deve haver consenso em relação a isso.

Ayer: Qual é a importância de trazer essa discussão para o Brasil?

Amaral: Habitualmente as revisões acontecem nas duas reuniões anuais do conselho da WMA – uma na França e outra em um país eleito antes da Assembléia Geral. Devido à importância deste debate, decidiu-se por cinco reuniões. Propusemos que o Brasil fosse sede de uma delas, porque não tivemos até o momento reuniões desse gênero no continente e seria uma oportunidade para discutir essas questões com os países da América Latina.

Ayer: Há um posicionamento da AMB em relação aos três tópicos principais?

Amaral:
Não fizemos a reunião aqui para sair com uma posição brasileira, mas para fomentar o debate e ouvir o maior número de opiniões possível. Vamos analisar essas opiniões e, então, tirar uma posição para votar na Assembléia Geral da WMA. A AMB irá adotar um posicionamento, mas certamente não conseguirá representar o conjunto das opiniões brasileiras a respeito. Haverá opiniões a favor e contra um determinado assunto e, como representantes do Brasil, não podemos defender duas posições antagônicas.

Ayer: De um lado, temos um representante da AMB e, de outro, um associado da WMA. Há entre os senhores divergências em relação aos três tópicos?

Amaral: Como a AMB ainda não tem posição sobre o assunto e estamos ouvindo as opiniões, não há divergências neste momento.

Greco: Minha posição é mais cômoda. Em 1999, durante a discussão em relação aos dois temas, havia uma proposta da Associação Médica Americana para facilitar a utilização de placebo quando existe tratamento eficaz. Na prática, essa proposta dizia o seguinte: se não houver risco de morte ou incapacidade, o placebo pode ser utilizado se, por razões metodológicas, estiver em teste um medicamento mais eficaz. Na minha interpretação ela tem mais significados: é mais barato e rápido fazer ensaio clínico quando se usa placebo. E, ao comparar um medicamento novo com um consagrado, a indústria corre um risco – a droga testada pode ser menos eficaz que a outra. Na mesma ocasião também se discutia o tópico que garantia a todas as pessoas que participam de ensaio clínico receber os melhores cuidados comprovados de saúde, que incluem profilaxia, prevenção e tratamento. A mesma proposta norte-americana defendia que isso não podia ser cumprido, porque cada país tem acesso diferenciado, não sendo papel de pesquisador resolver os problemas de saúde do mundo.

Sobre a WMA persistiram essas pressões, sob o argumento de que o placebo poderia ser usado em situações específicas – por exemplo, na pessoa voluntária que tosse a vida inteira devido à rinite alérgica não teria a menor importância utilizá-lo por três meses. Em vez de tornar a Declaração de Helsinki mais criteriosa, como se discute agora, foram acrescentados dois adendos que enfraqueceram seu texto, abrindo espaço à utilização de placebo em patologias graves, em pessoas de países vulneráveis e onde o acesso ao medicamento era mínimo. Na assembléia da WMA do ano 2000, a AMB foi favorável à manutenção do placebo só quando não havia tratamento comprovado. E que os voluntários receberiam o melhor medicamento comprovado, também após o estudo. Esse é o pano de fundo no qual a AMB terá de defender uma posição, com todos os riscos inerentes a uma democracia representativa. Como membro da WMA, apresentei uma proposta que restringe a utilização do placebo somente às situações em que há medicação eficaz e que os melhores cuidados de saúde sejam garantidos a todos os sujeitos de pesquisa. Ela foi discutida na reunião do Brasil e a AMB avaliou, tendo apoio da representação do Conselho Federal de Medicina. Essa é a minha posição, espero que seja apoiada pela AMB.

Amaral: Há uma tendência a ir direto aos parágrafos que tratam do acesso e do placebo, o que é um erro. Existem outros a analisar. Um deles diz que a proteção do indivíduo que se submete à pesquisa tem prioridade sobre qualquer outro interesse, o que converge na direção de códigos de ética médica de vários países, inclusive o nosso.
Há uma argumentação que, embora respeite, não compartilho: todo parágrafo pode ser interpretado isoladamente e para o mal. Antes é preciso ter certeza de que as questões relacionadas ao projeto de pesquisa estarão em conformidade com o todo da declaração, incluindo seus princípios fundamentais. Há ainda a falsa dicotomia “ética versus rigidez metodológica”. Essa divisão não existe. Fazer um projeto de pesquisa sem a suficiente rigidez metodológica ofende a ética. O objetivo primário de todo estudo é encontrar solução a um problema que aflige o ser humano. Portanto, não posso realizar um projeto que tenha fragilidades metodológicas. O problema maior é a questão do realmente efetivo. A droga é muito ou pouco eficaz? Outro aspecto são os efeitos adversos. Uma droga comprovadamente eficaz também traz efeitos adversos. É um pouco mais complexo do que a simples dicotomia entre a ética e a metodologia.

Greco: Discordo, apesar de estar claro que a discussão é sobre toda a declaração, a polêmica é centrada em dois artigos. Toda vez que houve tentativa de mudança, pelos laboratórios farmacêuticos e agências norte-americanas, não era para alterar o conjunto do texto, mas esses dois pontos. Se houver modificação em um único artigo, de forma que desfigure o conjunto, não adiantará nada dizer, depois, que meu papel é garantir a segurança do paciente, mas que, ao mesmo tempo, posso utilizar placebo – é contraditório! Por outro lado, fala-se muito em medicamento efetivo, criticando que o termo poderia esquecer os riscos dos efeitos colaterais. Quando indico um tratamento aceito pela comunidade médica, sei que ele tem efeito colateral e o quanto é eficaz. Segundo o dicionário, efetivo quer dizer aquilo que funciona. E se funciona bem, foi aceito como o melhor método comprovado, os itens efeito colateral e custo já foram incluídos nesta definição.

Ayer: É uma observação interessante e que já existe no entendimento dos comitês de pesquisa brasileiros. Só se credencia uma pesquisa quando a metodologia é ética. Sobre o acesso, está claro que deve ser mantido quando o efeito for positivo. A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) contempla isso e há uma tradição ética no país de proteção ao sujeito de pesquisa. Qual é a repercussão de uma eventual mudança na declaração sobre a ética na pesquisa brasileira?

Amaral: Espero que tenha profundo impacto na pesquisa de todos os países, inclusive o nosso. Devemos ter a mente aberta para rever todo o conjunto da declaração. Em mais de 30 anos de prática médica, tive de rever minhas convicções muitas vezes. Mesmo quando terminarmos a revisão e votamos uma proposta, devemos estar dispostos a rediscutí-la no dia seguinte. Considerei inoportuno o posicionamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS) de apresentar uma proposta fechada antes da reunião que discutiu a revisão no Brasil, não se interessando pelo debate.Temos de ouvir, ou seremos acusados de seguidores de dogmas, e não é isso que caracteriza a medicina. A AMB tende a tomar uma posição em conjunto, que reflita o pensamento do Brasil – ou até a se abster se não obtiver uma idéia clara de sua posição. Mas tenho quase certeza que chegaremos a algo muito próximo da unanimidade.

Ayer: Mas o CNS foi cartorial?

Greco: O CNS, sabendo que a comunidade brasileira iria discutir o assunto, apresentou uma resolução. Segundo o Amaral, o presidente do CNS foi convidado para a reunião de São Paulo, mas não compareceu. Embora discorde de algumas posições do Amaral, não há dúvida que é importante debater. É bom lembrar que os piores resultados não afetarão o sistema ético em pesquisa brasileiro porque a Resolução 196 tem uma característica forte de proteção.

Ayer: O Brasil, então, se desloca dessas decisões?

Greco: Não, há muito da Declaração de Helsinki na própria Resolução 196. Em quase todas as nações do mundo, menos os EUA, ela é um parâmetro. Mas claro que alguma desvinculação vai ocorrer se houver diminuição dos requisitos éticos. Quando um país tem capacidade de avaliar que a sua segurança é maior que Helsinki, ele usa a sua. Quando se abre a possibilidade de um comitê de ética local decidir que pode usar placebo, a contra-argumentação funcionará melhor nos países em que as pessoas são capazes de tomar decisões autônomas e que possuam arcabouço legal de proteção ao sujeito de pesquisa. Mas em países vulneráveis não será assim. Um projeto poderá ser desenvolvido com uso de placebo se não fizer tão mal – ou seja, não matar nem deixar o voluntário incapaz.

Ayer: Qual é a importância de um país participar dessas discussões quando já tem algo pronto?

Greco: O Brasil tem um papel diferente e importante. Sua associação médica, o CNS e os Conselhos Regionais de Medicina têm o dever de tornar pú­blica a posição que considerar importante. Posso até concordar que tenha sido politicamente inábil o CNS apresentar uma resolução. Mas depois de 12 anos de experiência em desenvolvimento de pesquisa sem uma posição rígida e clara sobre determinados aspectos, as opiniões podem estar formadas, sim, com muito bons argumentos. Por que não?

Amaral: Não sou contra a proposta, mas, no momento em que ela foi colocada, atropelou uma discussão.

Ayer: A AMB participa da Assembléia da WMA. É ela quem vota e leva as manifestações sobre a inclusão ou exclusão desses itens? O CNS encaminhou suas propostas à AMB?

Amaral: Elas podem ser encaminhadas à AMB para que a entidade as analise e, se entendê-las apropriadas, as encaminhe à WMA. Também podem ser dirigidas diretamente à WMA. O CNS não enviou as suas propostas à AMB. O CNS excluiu oficialmente a representação médica em seu conselho. Eu fui o último representante direto dos médicos no CNS. A partir de então, os médicos passaram a ser representados entre os trabalhadores de saúde, dentro de um acordo com o Fórum de Trabalhadores de Saúde. É exatamente essa exclusão que cria esta situação difícil para AMB.

Ayer:  Qual é a reflexão que você faz sobre uma instituição de controle social, como o CNS, manifestar-se frente a uma questão que diz respeito à pesquisa médica no momento em que não há nenhum representante dos médicos em seu conselho?

Greco: O primeiro enfoque é saber se cabe ou não uma representação médica no CNS. Isso tem de ser discutido, mas não é esse o foco neste momento. Se isso é um erro, por outro lado o CNS é o organismo atual que define politicamente as ações de saúde do país – que incluem a medicina, a pesquisa e o acesso. E se ele determina essas ações, tem o dever de se manifestar. O interessante é que a resolução do CNS, que chegou a nós ainda sem a homologação pelo ministro da Saúde, foi modificada durante este processo de discussão trazida pela AMB. Há agora no texto da resolução do CNS um parágrafo que diz que a instituição “resolve apoiar a retirada das notas de esclarecimento dos itens relacionados com cuidados de saúde a serem disponibilizados aos voluntários e ao uso de placebo, uma vez que elas restringem os direitos dos voluntários à assistência à saúde”. Ou seja, o papel do CNS foi de apoio às discussões. Pode ser até que AMB não concorde, mas o CNS está apoiando a retirada dos itens debatidos na reunião do Brasil. E, dentro de algumas semanas, depois de ouvir todas as pessoas, o presidente da AMB, no isolamento do poder, vai até a Assembléia Geral com uma posição. A democracia é representativa, não é participativa. Ele vai reunir o grupo dele, ao qual, com muita honra, fui convidado a participar, e tomar uma decisão. E numa estrutura que tem mais de 150 países completamente díspares – com o domínio da língua inglesa e dos EUA, que têm o maior número de votos – a defesa das posições tem de ser intensa. Esse é o papel que eu tenho de fazer como membro associado com voz, e espero que o presidente da AMB também o faça.

Amaral: O Brasil não tem poucos votos na WMA porque eles dependem do número de médicos do país. Temos 11 votos, quase tanto quanto os EUA, portanto um dos cinco países com maior peso nas decisões. Esse documento do CNS pode ter uma posição que possamos, eventualmente, apoiar. Gostaria de fazer parte do CNS. Explícita e publicamente, reivindico o direito de os brasileiros terem médicos na representação do CNS. E exijo não como o médico ou presidente da AMB, mas como cidadão brasileiro. Temos direito à representação médica no CNS, como havia antes. Aliás, sempre foi uma representação não isolada, mas trabalhada em conjunto com o CFM, Fenam e AMB. Se tivesse o privilégio de representar os médicos brasileiros no CNS teria feito um apelo aos conselheiros: “a proposta que os senhores apresentam muito me atrai e provavelmente defendê-la-ei, mas vamos ouvir o que têm a dizer os médicos brasileiros para depois tomar uma posição”. Em relação aos aspectos éticos, a decisão da AMB acompanha a do CFM. Cada entidade tem sua área de atuação e o CFM representa as posturas éticas médicas do país.  A AMB tem de ouvir o CFM e acompanhar sua posição. Caso contrário, estaria se aproveitando da circunstância de representar o Brasil para apoiar uma posição que, eventualmente, não é a daqueles que representam a ética do país.

Ayer: Qual seria o impacto das propostas de mudanças sobre a Resolução 196 do CNS?

Greco: Em tese, a Declaração de Helsinki não vai tornar-se algo ruim porque há pessoas da AMB que vão evitar que isso aconteça. Mas, se por um azar se faça uma grande mudança, ela não terá muita influência sobre um país com estrutura bem montada e protegida na história da pesquisa. A discussão sobre acesso durante o estudo e no ambiente restrito do ensaio clínico já está ultrapassada no Brasil (pela própria resolução 196). O que se discute hoje é como garantir acesso após o estudo, como se transformam os resultados do ensaio clínico em benesse que sirva à saúde pública. Por isso, a posição brasileira em relação à Declaração de Helsinki deve ser cada vez mais estrita em relação à proteção e mais aceita internacionalmente. Minha proposta é que um órgão internacional do porte da Organização Mundial da Saúde assuma o texto de Helsinki, tornando-o uma declaração de todos, não apenas do meio médico.

Ayer: A Declaração de Helsinki serve de referencial para a 196. Vamos supor que se tome alguma posição que traga contradição à 196. O que acontece?

Amaral: Há no texto atual o seguinte parágrafo: “todas as medidas que ofereçam mais garantias que a Declaração de Helsinki prevalecem sobre a mesma”.  A declaração é muito boa, mas precisa ser aplicada aos diversos países. Estes, por sua vez, têm de adaptar sua legislação às situações locais. É importante que o Brasil coloque níveis de exigência ética cada vez maiores – que não podem significar maiores níveis de dificuldade à execução de pesquisas eticamente bem conduzidas. Esse é outro problema, que só pode ser vencido por comissões de ética bem aparelhadas, qualificadas e num processo descentralizado. Não é possível que se mantenha centralizado o processo de regulação de pesquisa no momento que a demanda aumenta. Queremos que cresça e que o Brasil seja um país que faça boa pesquisa, da qual se beneficiem aqueles que se submetem aos ensaios clínicos.

Ayer: Mas uma eventual posição contraditória não expõe a possibilidade de um segundo argumento, o de o país estar atrasado em relação à Declaração de Helsinki?

Greco: Como médico, pesquisador e membro do Conep – Comitê Nacional de Ética em Pesquisa, acredito que qualquer mudança influenciará o Brasil. É característica da declaração, ela tem grande visibilidade e se tornou um bem mundial exatamente por sua força moral. Então, a pressão se torna mais fácil. Porém, a prerrogativa do país não depende de uma entidade externa permitir ou não o que está definido internamente. Por último, é bom ouvir que a posição a ser defendida pela AMB vai acompanhar a do Conselho Federal de Medicina, decisão esta que deve ser positivamente ressaltada.

Ayer: Agradeço, em nome de todos os conselheiros do Cremesp, a participação dos senhores neste debate. Esperamos e desejamos que a posição a ser defendida pela AMB represente, como o Amaral disse, a ética médica do país e influencie positivamente no eventual novo texto da Declaração de Helsinki.


WMA referenda nova Declaração de Helsinki

A Assembléia Geral da WMA, ocorrida em Seul, em outubro (após a realização deste debate), referendou o novo texto da Declaração de Helsinki. Em relação aos dois tópicos polêmicos tratados no debate, o texto final da nova declaração ficou assim:

Placebo – O uso de placebo é aceitável em pesquisas quando não existe tratamento comprovado; ou quando, por razões metodológicas convincentes e cientificamente claras, o uso do placebo for necessário para determinar a eficiência ou segurança de uma intervenção; e quando o paciente que o recebe não estiver sujeito a qualquer risco sério ou dano irreversível. Nota: A representação brasileira (que incluiu membros da AMB e CFM) defendeu a proposta de que o uso de placebo apenas seria aceitável quando não houvesse tratamento comprovado.

Acesso futuro – Na conclusão da pesquisa, os pacientes voluntários participantes do estudo devem ser informados sobre os resultados e têm direito de compartilhar qualquer benefício que dele resulte, por exemplo, o acesso a intervenções identificadas como benéficas ou outros cuidados apropriados e benefícios. Nota: A representação brasileira votou contra essa proposta por entender que a mesma não satisfaz as necessidades de acesso futuro, e porque a frase ou outros cuidados e benefícios abre a possibilidade de se oferecer outra coisa no lugar do medicamento testado.

Em ambos os tópicos, a posição defendida pelo Brasil obteve 23 votos favoráveis, contra os 93 que referendaram os dois itens no texto final da Declaração de Helsinki.



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