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CAPA

PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp


ENTREVISTA (págs.4 a 8)
James Drane


EM FOCO (págs.9 a 11)
Dormiu bem?


CRÔNICA (págs.12 a 13)
Tufik Bauab*


MÉDICOS NO MUNDO (págs.14 a 17)
Irène Frachon


DEBATE (págs.18 a 23)
Emergência e Regulação: novos desafios dos cursos de Medicina


SINTONIA (págs.24 a 27)
Novas práticas educativas no setor da Saúde


GIRAMUNDO (pág.28 a 29)
Curiosidades de ciência e tecnologia, história e atualidades


PONTO COM (págs.30 a 31)
Informações do mundo digital


HOBBY (págs.32 a 35)
Pediatra escala os maiores picos do mundo


HISTÓRIA DA MEDICINA (págs.36 a 38)
Especialidades médicas


LIVRO DE CABECEIRA (pág.39)
Por Bráulio Luna Filho*


CULTURA (págs.40 a 43)
Moacyr Scliar e Yann Martel


GOURMET (págs. 44 a 47)
Moqueca de camarão


FOTOPOESIA (pág.48)
Poesia anônima na capital paulista


GALERIA DE FOTOS


Edição 63 - Abril/Maio/Junho de 2013

CULTURA (págs.40 a 43)

Moacyr Scliar e Yann Martel

As aventuras de Pi: plágio ou incidente bizarro?


Polêmica literária envolveu o médico e escritor brasileiro Moacyr Scliar, autor de Max e os felinos, e o espanhol-canadense Yann Martel, autor de A vida de Pi, obra na qual o diretor Ang Lee inspirou-se para fazer o premiado filme

Por Ivolethe Duarte*


”Eu tenho de agradecer a Yann Martel por escrever esse incrível e inspirado livro”, declarou Ang Lee ao receber o prêmio de melhor diretor pelo filme As Aventuras de Pi, durante a entrega do Oscar 2013. Quem conhece as semelhanças entre Max e os Felinos, do médico e escritor brasileiro Moacyr Scliar (1937 – 2011) e A vida de Pi, do espanhol-canadense Yann Martel, deve ter achado o agradecimento pela “inspiração”, no mínimo, inapropriado.

Max e os Felinos, de Scliar – lançado em 1981 pela L&PM Editores, de Porto Alegre – conta a história de um garoto alemão que, ao chegar à juventude, é forçado a partir para o Brasil em um cargueiro, fugindo da polícia política nazista. O navio, que também transportava animais “de circo ou zoológico”, naufraga, e o jovem sobrevive em um barco salva-vidas, abastecido de alimentos enlatados, água, utensílios de pesca etc. Quando tenta resgatar uma caixa que boiava entre os destroços do naufrágio, dela salta um jaguar diretamente para o barco. Começa, então, um dramático desafio de convivência entre presa e predador. Max pesca para alimentar o jaguar enquanto tenta adestrá-lo e manter-se no controle da situação.



Livro Max e os Felinos, de Moacyr Scliar
 

Vinte anos depois, em 2001, a editora canadense Knopf publica A vida de Pi, história de um menino indiano que, ao chegar aos 16 anos, parte da Índia para o Canadá, contra sua vontade, em um navio que também transportava animais de zoológico. A embarcação afunda em meio a uma tempestade, e Pi sobrevive em um barco salva-vidas – providencialmente abastecido para um naufrágio – ocupado também por uma hiena, uma zebra e um orangotango. A hiena mata a zebra, o orangotango e começa a investir contra Pi, quando é aniquilada por um tigre, que até então estava escondido sob a lona que cobria metade do barco. Depois que o felino devora os três animais, resta a Pi alimentá-lo e adestrá-lo para não ser a próxima presa.

A convivência entre homem e fera é o argumento estrutural de ambos os livros e, também, do filme de Ang Lee. O cineasta taiwanês domina como poucos a fotografia no cinema. No filme, a história se desenvolve por meio de suntuosas imagens e da tensão constante entre o frágil humano e o robusto felino, limitados ao reduzido espaço do entorno do bote e perdidos na imensidão do oceano.

Ang Lee foi bastante fiel à obra A vida de Pi, romance de ficção que teve boa recepção crítica, vendeu bem e foi editado em outros países, levando o até então pouco conhecido escritor Yann Martel a ganhar o importante Booker Prize, no Reino Unido, em 2002. Mas com o sucesso veio um efeito adverso. No mesmo ano, um artigo no The Guardian dizia que A vida de Pi plagiava Max and the Cats, título do livro de Scliar, traduzido para o inglês em 1990. O caso propagou-se pela imprensa, colocando Martel e Scliar num turbilhão que o escritor gaúcho classificou de “bizarro”.

Martel enredou-se ao tentar explicar a situação e afirmou nunca ter lido o livro de Scliar, mas que conhecia seu argumento por ter visto, anos antes, uma resenha negativa do escritor John Updike sobre Max and the Cats, para a revista semanal do The New York Times. Posteriormente, Updike declarou nunca ter escrito resenha alguma sobre a obra de Scliar. Martel afirmou, então, ter se confundido e insistia que havia lido apenas uma resenha em alguma publicação da qual não lembrava o nome.
 


Livro A vida de Pi, de Yann Martel
 

A Vida de Pi tem uma fugaz menção ao escritor brasileiro, quase ao final da nota introdutória de cinco páginas, na qual Martel fala de suas viagens para escrever o livro, agradece funcionários de ministérios, embaixadas etc., e revela que o protagonista é baseado na história real de um indiano que migrou para o Canadá. “Quanto à centelha de vida, devo-a a Moacyr Scliar”, resume a referência. O canadense não citou Max and the Cats e nem mesmo que Scliar era também escritor. A brevíssima menção em um oceano de explicações e agradecimentos burocráticos contribuiu para inflamar as acusações de plágio.

Scliar foi procurado para responder sobre o assunto pela imprensa nacional e internacional, concedeu várias entrevistas durante viagens aos Estados Unidos e também falou sobre o episódio à Ser Médico. O médico e escritor integrou o primeiro conselho editorial da publicação do Cremesp, entre 1997 e 2003. Também foi cronista e colaborador desde o princípio da revista até 2011, quando faleceu. Em 2006, já havia se tornado membro da Academia Brasileira de Letras e foi entrevistado para a edição nº 37 da Ser Médico. Em resposta à pergunta se Martel havia plagiado ou inspirado-se em Max e os felinos, e como havia resolvido o assunto, ele disse o seguinte:

“Na verdade, ele (N.R.: Yann Martel) disse que não tinha lido o meu livro, mas um resumo e, baseado nisso, escreveu o dele. Ou seja, não copiou o texto, mas a ideia. Pode acontecer em literatura de alguém achar uma ideia muito boa e fazer a sua história. Isso não teria me incomodado em nada, não fosse por dois detalhes. Primeiro, ele não se deu ao trabalho de avisar que estava fazendo isso – ao menos por uma questão de cordialidade deveria ter feito. Segundo, ele falou mal do meu livro. Ele disse que não havia lido, mas tinha a informação de que não era bom – embora não soubesse dizer de onde tirou essa informação. Então, ficou parecendo o seguinte: era um tema que tinha sido estragado por um autor brasileiro e que ele iria dar a forma adequada à ideia. Eu achei uma desconsideração, mas não quis levar o caso ao tribunal porque não é do meu estilo; não sou uma pessoa litigante. Por fim, ele me telefonou, pediu desculpas e com isso resolvi dar o assunto por encerrado.”

Em entrevista para esta matéria, a viúva Judith Scliar lembra que o marido já era um escritor experiente na época, e que tratou a situação com maturidade. Era crítico não ao livro, mas às desencontradas declarações de Martel.

Após o episódio, Scliar fez uma nova introdução para as edições seguintes de Max e os felinos, na qual fala sobre a experiência. “Minha primeira reação não foi de contrariedade. (...) De alguma forma senti-me envaidecido por alguém ter se entusiasmado pela ideia tanto quanto eu...”, escreve. “Nada se cria, tudo se copia... Escrevendo a respeito do incidente (prefiro este termo), Luis Fernando Veríssimo lembrou que Shakespeare baseou numerosas obras em trabalhos contemporâneos menores. Em realidade, não há escritor que não seja influenciado por outros”, continua. “Uma ideia é uma propriedade intelectual. Isto não significa que não possa ser partilhada. Pode sim e frequentemente o é”, pontua o escritor mais adiante.



Moacyr Scliar
 

Scliar escreve ainda sobre como foi ler a outra obra: “depois de muito debate sobre o assunto, o livro de Martel finalmente chegou-me às mãos. Li-o sem rancor, ao contrário, achei o texto bem escrito e original. Ali estava a minha ideia, mas era com curiosidade que eu seguia a história; queria ver que rumo tomaria sua narrativa – boa narrativa, aliás, dotada de humor e imaginação. Ficou claro que nossas visões da ideia eram completamente diferentes. As associações que eu fiz são diferentes das que Martel faz”.
 

Scliar foi elegante e generoso com Martel. Ao longo de A vida de Pi pipocam muitas “centelhas” semelhantes à de Max para tornar crível que se tratou apenas de leitura de uma resenha. E não apenas no argumento central, mas também no inicial e no final. Mas A Vida de Pi tem méritos literários que justificam o sucesso, assim como o filme de Ang Lee.

Scliar também escreveu no novo prefácio: “...(É) embaraçoso não para mim, devo dizer logo. (...) O fato de Martel ter usado a ideia não chegava a me incomodar. Incomodava-me a resenha e também a maneira pela qual tomei conhecimento do livro... Não fosse o prêmio, eu talvez nem ficasse sabendo da obra”.

Polêmica reacendida
Judith Scliar, que gostou do filme, não acredita que Martel possa estar sentindo-se embaraçado com a nova superexposição de A Vida de Pi. “Não sei se está desconfortável no momento em que o filme faz sucesso e ele ganha com isso”. Apesar do êxito do cinema como uma superprodução hollywoodiana significar uma nova situação e estar rendendo muito a Martel, a família do médico e escritor brasileiro não pensa em uma ação judicial. Para o fotógrafo Beto Scliar, único filho de Moacyr, “as próprias consequências dos atos de Yann Martel o julgaram”. Ele lembra ainda que o autor canadense não produziu outra obra de sucesso, nem antes nem depois de A vida de Pi.

Inspiração e realismo mágico
Moacyr Scliar, que se reconhece influenciado pelo realismo mágico, falou em algumas entrevistas sobre o simbolismo do jaguar de Max como representação do nazismo e do golpe militar brasileiro. Ambos regimes de tirania e opressão submeteram o homem ao convívio de uma fera à espreita, sem saber qual seria a seu próximo golpe. A fera no barco de Moacyr era uma metáfora para sua experiência como filho de judeus que imigraram para o Brasil fugindo do nazismo e que viu o país em que nasceu cair na ditadura.


 


 

Scliar, habitué vítima de plágio

O “incidente” com Yann Martel não foi o primeiro caso relacionado a plágio em torno da obra de Moacyr Scliar. Em 1993, um estudante da Universidade Federal do Piauí inscreveu como seu, em um concurso da Faculdade de Direito, o conto A vaca, do livro O Carnaval dos Animais, de Scliar, obtendo o primeiro prêmio. Um dos julgadores do concurso descobriu o plágio dois anos depois.  Uma comissão de inquérito instaurada pela universidade concluiu que houve estelionato, e o aluno foi excluído do curso. Segundo Judith Scliar, na época, o jovem, que recorreu da decisão, telefonou para o escritor pedindo ajuda para não perder a vaga. O estudante solicitou que assinasse uma declaração de que o texto apresentado por ele no concurso não era um plágio. Scliar respondeu que se fizesse isso, era como dizer o inverso – ou seja, que quem estava plagiando era o conhecido escritor gaúcho.



*Jornalista, editora do Portal do Cremesp e de Redes Sociais.

N.R. – A foto de Beto Scliar foi cedida como cortesia exclusivamente para ilustrar esta matéria.


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