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Edição 70 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2015

HISTÓRIA DA MEDICINA (págs. 22 a 25)

Guido Arturo Palomba*

Da Nau dos Loucos à Clorpromazina


A Nau dos Loucos, Hyeronymus Bosch (1450-1516),
óleo sobre madeira, 58 cm x 33 cm

 

Primeiro momento – Quando o homem se deparou pela primeira vez com a loucura, chamou-a de possessão demoníaca. Não tinha outra possibilidade. Que dizer diante de algo tão estranho?

Aqueles que sofriam eram logo notados e rejeitados. Ninguém queria o energúmeno (energóumenos, grego, possuído pelo demônio) por perto. Assim, nos recuados tempos, os loucos eram escorraçados para fora dos muros das cidades ou embarcados em lúgubres navios, Naus dos Loucos, e despejados em longínquas terras nas quais ficavam à mercê de si mesmos. Essas naus singraram mares até o século 16.

Segundo momento – Quem pôs fim à ideia de que a loucura era possessão demoníaca foi Johann Weyer, autor do livro Da ilusão dos demônios (De praestigiis daemonum), em 1563, dizendo que a loucura não era feitiçaria, mas consequência de coisas naturais. Claro que esse é um marco apenas, pois as novas concepções são implantadas aos poucos. Nesse período da história, se o louco não é endemoninhado, que é então? Antes de responder, é preciso lembrar que estamos em plena Renascença, com Copérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630) e Galileu (1564-1642) a revolucionar a concepção do mundo natural, encarando, com a intuição heliocêntrica, de modo inteiramente novo, as relações do universo com o homem, o qual perde a sua posição majestática central, para ser mero grão de pó na máquina cósmica infinita.

A loucura se tornou o não ser da razão. Ou seja: uma exclui a outra, se identificam e se isolam. Como resultado prático, somente há a loucura porque existe a razão, e quem não a possui, o louco, precisa ser separado dos normais. Alguns eram tidos como insubordinados ao trabalho e perturbadores da ordem pública. Por isso, muitos acabaram trancafiados em casas de internamento, juntamente com prostitutas, doentes venéreos e criminosos de todo o gênero.

Terceiro momento – Os doentes mentais somente seriam separados das outras figuras da miséria depois de mais de dois séculos, por Philippe Pinel, ao introduzir, a partir de 1793, a função médica no Hospício de Bicêtre, em Paris, culminando com a liberação de 80 alienados mentais que lá se encontravam acorrentados, há muitos anos. E, assim, as antigas casas de internamento deram lugar aos hospícios, hospitium, hospitalidade, amparo.


Weyer foi o primeiro a dizer, em 1563,
que a loucura não é possessão demoníaca


Quanto aos tratamentos, tentava-se curar o alienado mental de várias maneiras, porém, todas bizarras. No início do século 19, propunha-se aplicar aos insanos choques sensoriais intensos, como estrondos e sustos, usavam-se sangrias por meio de sanguessugas, além de purgantes e de uma engenhoca giratória, inventada em 1805, por Benjamin Rush, chamada gyrater. O doente ficava amarrado a uma cadeira presa por um eixo do teto ao chão, que podia ser girada – por meio de manivela –, para provocar convulsões, vômitos, colapso circulatório, visando “reiniciar” o cérebro e as ideias.


Philippe Pinel separou os doentes mentais das outras figuras
da matéria humana, dando origem aos hospícios


Mas, à medida que o século caminhava, nascia uma miríade de homens sábios, de invulgar conhecimento, que dedicaram suas vidas a descrever, em pormenor, a loucura, desbravando “mares d’antes nunca navegados” do até então misterioso psiquismo humano. Suas obras ainda guardam ensinamentos preciosíssimos. Mencionem-se Sigmund Freud (1856-1939) e todos os seus magnos colaboradores; Cesare Lombroso (1836-1909) e a pletora de criminalistas de escol e sabença; Richard von Krafft-Ebing (1840-1902) e as bases da psiquiatria forense; além de Karl Jaspers (1883-1969), o pai da psicopatologia; Emil Kraepelin (1856-1926), o pai da psiquiatria moderna; Eugen Bleuler (1857-1939), e seu tratado de psiquiatria; Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) e a teoria dos reflexos condicionados, para citar alguns entre os muitos de igual grandeza, que formam a base perene da psiquiatria.



Apesar dos avanços trazidos por Pinel, no início do século 19
ainda havia tratamentos bizarros como o gyrater

 

A partir dessa época, na Europa e em alguns países da América do Sul, o conhecimento da loucura deu um salto extraordinário com a vinda desses e de outros mestres, que produziram, sozinhos, tratados de psiquiatria com começo, meio e fim, obras acabadas e com unidade de pensamento, o que permite dizer que a primeira metade do século 20 é o período de maior sabedoria da psiquiatria mundial.

Quarto momento – Sucede que, se de um lado a doutrina fincou bases sólidas, de outro, os tratamentos ainda eram um tanto bizarros, semelhantes aos preconizados no século 19. Até que, em 1950, é sintetizado, pela primeira vez na história, um antipsicótico eficiente, a Clorpromazina, cujo acontecimento se deu na França, com Carpentier, e comercializado, dois anos depois, com o nome de Amplictil, também naquele país.

Nesse passo, é preciso relembrar que, de 1950 até hoje, o mundo mudou radicalmente. Houve uma revolução tecnológica sem precedentes na história da humanidade: veio a televisão, o homem foi à lua, nasceu o computador, a internet, o celular, sendo certo que nenhuma área da ciência (e da sociedade) deixou de ser afetada por essa fantástica revolução moderna. Na indústria química vieram as novas moléculas, as fusões do orgânico com o inorgânico, os radicais sintéticos e suas inúmeras combinações e, com isso, novos fármacos a combater as doenças mentais. Proliferaram-se, assim, as indústrias farmacêuticas.

Momento atual – As indústrias farmacêuticas necessitam vender e lucrar. Para tanto, o marketing é fundamental, o qual, convenhamos, tem feito excelente trabalho para atingir o objetivo. Por exemplo, hoje receitam-se antidepressivos para tudo: para parar de fumar, tensão pré-menstrual, engordar e emagrecer, motivos de tristeza decorrentes da falta de dinheiro ou por desencontros afetivos, entre tantas outras “patologias”. Basta dizer que o remédio psiquiátrico Rivotril vende mais do que Tylenol e Hypoglós, ou lembrar que certa marca de antidepressivo vende mais do que antibióticos.

Nessa ordem de ideias, é preciso recordar que para receitar há necessidade de um diagnóstico que suporte a prescrição. Para isso, a indústria farmacêutica, via marketing, criou os catálogos de classificação de doenças mentais, nos quais tudo cabe. Assim, temos a Classificação Internacional de Doenças, em sua 10ª revisão (CID-10), e o seu correlato americano, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, na 4ª edição (DSM-IV, sigla em inglês), introduzidos no mundo ocidental (1992 e 1995, respectivamente), que viraram as “bíblias” da psiquiatria contemporânea, a substituir todos aqueles grandes tratados escritos pelos doutrinadores do século 20.

A partir da vinda da CID-10 e do DSM-IV, a psiquiatria europeia, elaborada com esmero e vagar, foi substituída pela psiquiatria americana, rápida e mercantilista, a serviço da indústria farmacêutica. Se no passado a doença mental era possessão demoníaca, hoje, em franco período de decadência, inverteu-se o espírito da coisa: em vez de o diabo entrar no homem, entrou o tratamento. Com outras palavras: loucura é o que se receita de remédios psiquiátricos, os quais são a marca do momento atual. Tal como a Nau dos Loucos identifica o primeiro momento; Weyer, o segundo; Pinel, o terceiro; a Clorpromazina, o quarto.


Abuso de remédios psiquiátricos é a marca do momento atual

 

*Psiquiatra forense e membro da Academia Paulista de História

 


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